domingo, 27 de dezembro de 2009







Os ratos falam sozinhos

Todos aqui falam sozinhos

Eu não

Eu escrevo

Não converso com esta gente louca
Que quer me enlouquecer

Meu pai que eu não tive

É Deus e só ele
O escuro da noite é mais fácil

Quando se conta a Deus

( )

Como ontem

HojeHoje (3)

Ontem se repete, como hoje.

( )

Meu pai saiu de sua luz e veio dizer-me as verdades neste escuro, me pediu
para não escrever os segredos do juízo final, segredos são sinais seguros das
verdades, disse-me o meu pai que é um grande vento gelado

Prometeu-me levar ao sonho nesta noite para que eu saiba de outros mundos
Disse-me que leia os livros e espere a vez.

( )

Sei que é mentira
Aceito-a.












segunda-feira, 21 de dezembro de 2009




Foi.
50 anos e câncer de mama.

Hoje o namorado desta senhora ,há mais de 5 anos, estava muito indignado porque o filho dela, mesmo sabendo da gravidade do caso, foi viajar para uma cidade turística daqui de perto. Sua filha foi sagaz acompanhante junto com o padrasto. O namorado/padrasto estava sozinho quando ela morreu. Fiquei pensando na solidão que ele estava vivendo neste momento e fui conversar com ele.
Perguntei se ele tinha alguém com quem conversar sobre o ocorrido, alguém para pedir um colo nessa hora dolorida. Ele disse que no momento estava sozinho, mas que pensara em chamar uma irmã. Seus olhos transbordaram em lágrimas só de eu oferecer meu olhar e meu ombro nessa hora. É tão fácil, não dói nada, apenas emociona, muito.
Ofereci amparo com uma conversa amiga. Me senti muito bem.
Sei que ele se sentiu amparado também.
Saiu de lá me agradecendo muito e certo de que existem pessoas que não estão indiferentes a dor , mesmo quando essa dor é de um desconhecido.
(foto que tirei no cemitério da Santa Casa-Poa)

domingo, 6 de dezembro de 2009




-Foram os olhos que me capturaram...


-Sim, quando um olhar que está partindo nos olha com amor, fica difícil.


-Sim (lágrimas nos olhos), ela não pedia nada, só olhava com doçura, e a cena ia me corroendo a cada dia em que as limitações aumentavam...


-Mas o olhar permanecia?


-Sim, permaneceu até os últimos instantes, nunca esquecerei!




Essa conversa eu escutei no posto de enfermagem do Hospital , cercada de muita emoção, e retrata bem como o profissional de saúde necessita de acompanhamento psicológico, afinal, lidar com a morte e a dor diariamente exige muito equilíbrio. Muitos profissionais tentam não se envolver para não se machucar, mas quando os olhos doces da morte os contemplam, fica muito mais difícil!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Salomé


Esta semana acabei de ler Salomé do Oscar Wilde. Mais próxima de mim do que a Salomé Bíblica...


(...) Por que não me olhas, Iokanaan? Teus olhos, que eram terríveis, tão cheios de ódio e escárnio, estão fechados agora. Por que estão fechados? Abre-os! Ergue as pálpebras, Iokanaan! Por que não me olhas? Estás com medo de mim, Iokanaan, e por isso não me olhas? E a tua língua, que era como uma serpente vermelha expelindo veneno, não se move mais, nada diz agora, Iokanaan, aquela víbora vermelha que cuspilhava veneno contra mim? É estranho, não? Como é que a víbora vermelha já não se move?... Consideraste-me ninguém, Iokanaan. Desprezaste-me. Pronunciaste ignóbeis palavras contra mim. Trataste-me como uma meretriz, uma dissoluta, a mim, Salomé, filha de Herodíade, princesa da Judéia! Bem, Iokanaan, eu estou viva; mas tu estás morto e tua cabeça me pertence (...)


Não é a toa que meu mestrado fala de histeria...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

A um moribundo (Florbela Espanca)


Não tenhas medo,não! Tranquilamente,

Como adormece a noite pelo Outono,

Fecha os teus olhos, simples, docemente,

Como, à tarde, uma pomba que tem sono...


A cabeça reclina levemente

E os braços deixa-os ir ao abandono,

Como tombam, arfando, ao sol poente,

As asas de uma pomba que tem sono...


O que há depois? Depois?... O azul dos céus?

Um outro mundo? O eterno nada? Deus?

Um abismo? Um castigo? Uma guarida?


Que importa? Que te importa, ó moribundo?

- Seja o que for, será melhor que o mundo!

Tudo será melhor do que esta vida!...

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Finados


Este blog precisa homenagear um dia tão significativo.

Uma história comovente:

Esta história já aconteceu fazem alguns meses, mas só consegui escrever sobre ela hoje, já devidamente distanciada ,em parte, ao menos,dos afetos que ela despertou.

Uma moça de 24 anos , câncer de colo de útero, agonizava na madrugada.

A família sempre presente, sempre esperançosa. Afinal,ela era jovem, bonita, cheia de vida...

Uma noite, começou um sangramento muito forte em decorrência do câncer...

A moça se sentiu muito fraca e com dores por todo corpo.

Mas o mais chocante, para os funcionários da enfermagem e todos que estavam por perto, foi ouvir a moça gritar:

-Eu não quero morrer!!! Por favor, eu não quero morrer!!!

Fizeram de tudo. O grito se foi.

Ela morreu.


Semanas se passaram e a voz e a cena não saíam da cabeça dos funcionários...

Em um post anterior eu comentei que preferia pessoas que sabiam que a morte estava próxima e aproveitavam o fiozinho da vida que restava... E que me sentia mal com pessoas que deveriam estar cheias de vida, mas estavam mortas.

Esta história me fez repensar...

Dói demais ouvir a ânsia de vida em uma pessoa que está morrendo.

E agora??

(foto que tirei de flores de plástico de um cemitério de Dois Irmãos-RS)

sábado, 26 de setembro de 2009

Coloque seu rosto no buraco!

Quando dobrei a a esquina do cemitério e dei de cara com esta sepultura, gelei! Lembrei daquelas brincadeiras onde colocamos a cara e nos remetemos a um mundo de fantasias...
Esta fantasia não foi agradável.
Difícil se imaginar neste lugar.
Sempre pareceu que falar da morte não me atemorizava.
Talvez não.
Fui pega de surpresa.
Tomara que Elsa tenha tido uma boa vida. Seu rosto não ilustra as histórias que imaginaria a seu respeito.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Maurice Blanchot


"A morte trabalha conosco no mundo: poder que humaniza a natureza, que eleva à existência o ser, ela está em nós, como nossa parte mais humana; ela é morte apenas no mundo, o homem só a conhece porque ele é a morte por vir. Mas morrer é quebrar o mundo: é perder o homem, aniquilar o ser; portanto, é também perder a morte, perder o que nela e para mim fazia dela morte. Enquanto vivo, sou um homem mortal, mas, quando morro, cessando de ser um homem, cesso também de ser mortal, não sou mais capaz de morrer, e a morte que se anuncia me causa horror, porque a vejo tal como é: não mais morte, mas a impossibilidade de morrer." (BLANCHOT, 1997, P. 324)


É preciso esclarecer este morrer de Blanchot para quem não o conhece:


"Escrever é ser atraído para fora do vivido, do mundo, em direção à Eurídice, aos infernos – espaço da escritura. Orfeu se volta para Eurídice, pois não voltar-se seria trair uma experiência simultaneamente essencial e arruinadora da obra, experiência onde se atinge o ponto extremo, o extremo risco, exigência paradoxalmente impossível da obra. A experiência é experiência da escritura, busca impossível da origem e da morte. É experiência da atração da origem: o desobrar; e impossibilidade de “olhar” a origem: o obrar."



quarta-feira, 16 de setembro de 2009


A pior MORTE é a

morte em VIDA



Estou cansada de pessoas que vivem mortas.

Prefiro as que estão para morrer e continuam vivendo o fio que resta com toda intensidade.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Corpo porcelana
Azul álgido

No poro, na célula,
histórias secretas,
amores, suas dores,
lá se vão também
olhares perdidos em
pensamentos obscenos...
Ah! os pensamentos...
quem os saberá?
Findaram com a carne

(frio)

Somente a chama
ou os vermes

sábado, 22 de agosto de 2009


Hoje falo de vida em um blog de morte:


Se todos soubessem que é tão fácil viver bem!!!! O mundo não teria medo da morte, teria é muito mais gosto pela vida!

quinta-feira, 20 de agosto de 2009


Pertencente te carrego

Dorso mutante , morte.

Há milênios te sei

E nunca te conheço.

Nós, consortes do tempo

Amada morte

Beijo-te o flanco

Os dentes

Caminho candente a tua sorte

A minha. Te cavalgo. Tento.


(Hilda Hilst)

domingo, 24 de maio de 2009


Olhos saltados, sem movimentos, corpo rígido, sem fala, pressão alta, respiração ofegante...

Fui chamada para ver a papelada de transferência da paciente que havia chegado em estado grave na Urgência e escutei o médico e o técnico de enfermagem conversando ao lado dela:
- Não consegui que me atendessem no outro hospital para fazer a tomografia nela...pode morrer aí mesmo-diz o médico.
-Não deve ter sobrado nada na caixa (se referindo ao cérebro da paciente). Metástases por tudo...- refere o técnico de enfermagem.
Foi então que me lembrei do filme "O Escafandro e a Borboleta"...

Me aproximei e perguntei baixinho, sem nenhum dos outros dois que estavam na sala perceberem:
- Tá me ouvindo?
- (ela deu uma piscadela)
-Se estiver me ouvindo pisca de novo.
-(outra piscadela)

Imaginei naquele momento a angústia de estar presa dentro de um corpo que não responde...
Imediatamente falei pra ela:
- Vai dar tudo certo, estamos providenciando remoção para tu fazeres exames em outro hospital, vai passar! Imagino que tu devas estar muito aflita com a falta da fala, mas já entendi que tu me ouves! Fica tranquila!

Fui providenciar a papelada e quando voltei ,ela me reconhecendo, piscou muitas vezes...
Perguntei:
-Queres alguma coisa?
-(muitas piscadelas)
-Vou tentar de entender.
-(chi...ch...)- meio babando e com a boca emperrada.
- Xixi?
-(uma piscadela)
-Xixi!
-(outra piscadela)

Chamei o técnico de enfermagem e disse:
-Ela quer fazer xixi!
E ele:
-Só se for a paciente do lado dela...hehe
E eu:
-Vem cá, vou te mostrar que ela está ouvindo e que quer fazer xixi.

Percebi que ele se assustou um pouco, mas colocou a cumadre (recipiente fazer xixi) embaixo dela. E ela conseguiu fazer xixi.

Ontem eu estava novamente de plantão e fui até a UCI (Unidade de cuidados intensivos) para dar uma olhada nela... Quando cheguei na beira da cama ela me sorriu e falou:
-Oi!!!
-(Arrepiei) Lembra de mim?
- Tu estavas quando eu cheguei no hospital , não?
Contei toda história pra ela e me lembrei que ela não podia me ver quando chegou, estava deitada com os olhos retos para o teto... Ela apenas me ouviu.

A partir daí surgiu um papo muito gostoso e bem consciente. Ela sabia de suas metástases e contou toda a angústia que passou por não poder falar... particularidades como um braço que doía mais, um lado onde estava com mais metástases... e a vontade de gritar de dor sem conseguir quando algum profissional da saúde a segurava ...
Fiquei quase uma hora conversando com a paciente, ela me agradeceu com um sorriso que coloriu a cena cinza da UCI. A conversa girava em torno da sua despedida com este corpo que já não mais a suportava , contrastando com a alegria de estar melhor e a tranquilidade de se "saber morrendo" de forma tão consciente.

Eu só disse:
- Foi um prazer te ouvir hoje, vou levar o que tu me disseste para o resto de minha vida. Muito obrigada.

quarta-feira, 25 de março de 2009


O luto de um amor acabado se compara ao luto da morte de um ente querido.

Dói, rasga o peito, angustia, faz chorar, dá a impressão que não há mais nada do que o ex-amor nesse mundo. Quem quiser passar pelo luto de forma agradável, descubra o luto de não ter que ser perfeita, descubra-se falível e se delicie , afinal, somos HUMANOS. Pessoas comuns, longe de sermos rochas, loucos ou deuses, sentimos, sofremos e renascemos de novo, e de novo... Em novas vidas, outros sentimentos, outros amores.